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quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Que o petróleo nos traga outras "gulbenkians"

A descoberta de mais petróleo no Brasil, que pode colocar o país entre os 10 maiores produtores mundiais, as novas possibilidades de exploração prospectadas em Portugal, os relatórios e comunicados divulgados pelas empresas envolvidas nos consórcios exploratórios, distribuídos pelos dois países e associados entre si, me deram a idéia de visitar alguns sites, a ver a quantas vai o investimento das petrolíferas em uma área que me interessa especificamente, a área cultural. Escolhi a Petrobras, a Galp e a Partex, empresas com fortes ligações com a arte, a cultura, a beneficência e o meio ambiente, no mundo da língua portuguesa. Ainda é cedo para pensarmos o que virá de melhor neste sentido, a partir das novas descobertas de petróleo e gás, em Portugal e no Brasil, mas é hora de ficar de olho nos números. E de começar a exigir mais dessas empresas, tendo em conta que também lideram a economia dos respectivos países em lucros anuais obtidos. As petrolíferas, como os bancos, empresas estatais ou privadas, deveriam ser reguladas em termos de percentagens mínimas de investimento em projectos culturais, educacionais e outros - mecenatos e gastos com patrocínios não incentivados pelo Estado - e de acordo com os lucros exibidos.
A Galp Energia, empresa portuguesa que detém apenas 10% do consórcio Tupi Sul para o BM-S-11 e participa também na exploração de outros blocos petrolíferos na bacia de Santos e de Campos, teve as ações valorizadas em mais de 5% esta semana na bolsa portuguesa, por conta do anúncio da aquisição de sete blocos exploratórios no Brasil, que poderão garantir a Portugal um terço do consumo do país nos próximos 15 a 18 anos. Se as reservas chegarem a oito mil milhões (oito biliões) de barris, ao preço actual (95 dólares o barril), o petróleo brasileiro que caberia à Galp valeria algo em torno de 54,2 mil milhões (bilhões ou biliões) de euros, um terço da riqueza produzida anualmente em Portugal. A Galp Energia é considerada uma grande incentivadora da cultura em Portugal, principalmente com o patrocínio de espectáculos, um nicho com menos prerrogativas de mecenato. Muito embora invista milhares de Euros em publicidade, não divulga no site uma política cultural. Trata-se de uma instituição privada e não tem que o fazer, mas deveria. O site é voltado para acionistas e consumidores, não possui link informativo para o grande público dos espectáculos que patrocina e é totalmente focado nos segmentos de negócio da empresa. O site é chato e não possui nenhuma afinidade com os anúncios comerciais simpáticos feitos para televisão.
A Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation, com alguma presença no Brasil, e que em conjunto com a Galp Energia e com a Petrobras prepara-se para explorar petróleo em águas profundas ao largo da costa portuguesa (entre Sintra e Aveiro) pertence totalmente a uma das instituições mais importantes do mundo no âmbito da cultura, a Fundação Gulbenkian. Os interesses desta fundação estão actualmente voltados para quatro áreas: Arte (46%), Beneficência (10%), Ciência (16%) e Educação (28%). É um caso em que o desenvolvimento cultural está directamente ligado à produção e exploração do petróleo, numa relação para além do mecenato. Todos os anos, a Partex contribui com cerca de 40 a 45 milhões de dólares (30,6 milhões de euros) em dividendos para a instituição sedeada em Lisboa - cerca de um terço do orçamento. O arménio Calouste Gulbenkian, liderou em 1912 um consórcio para explorar o petróleo do Iraque, que levou à criação, há 50 anos, de uma fundação, que tem diversificado e inovado, cada vez mais, no mercado das artes e da cultura, e está presente em diversos países. Este ano, por exemplo, participa num projecto internacional, divulgado nos Emirados Árabes, denominado ‘Golden Web’, um grande portal na Internet no qual também estão envolvidos a Emirates Foundation e o British Museum. O Gonden Web vai incentivar a reconstituição das grandes viagens de Marco Pólo, Vasco da Gama e Ibn Battuta, entre outras personagens das descobertas marítimas. Em 2011, a iniciativa irá gerar 12 grandes exposições mundiais, uma delas em Lisboa. Convido-os a visitar o site da Gulbenkian, para conhecer a história e acompanhar as actividades desta instiuição pelo mundo, no http://www.gulbenkian.pt/
A Petrobras colocará o Brasil entre os 10 maiores do mundo em produção de petróleo, lidera o mercado brasileiro, realiza o sonho da auto-suficiência e detém 50% do novo consórcio para explorar petróleo em Portugal, no qual também estão a Galp e a Partex. É sem dúvida uma das empresas brasileiras que mais investe na produção cultural. O site é dinâmico, contém todas as informações possíveis e imagináveis sobre actividades da empresa e links para as outras associadas. Os projectos culturais da Petrobrás, distribuídos pelas regiões do país, assim como o crescimento do percentual investido, em mais de 200% desde o ano 2000, são louváveis. Mas os investimentos na cultura, para além de estarem muito aquém do perfil de lucratividade da empresa, estão expostos num sub-link bem distante da home, difícil de localizar. A Petrobras é lucrativa, investe em projectos culturais também rentáveis, exibe gráficos que lideram de longe o investimento cultural entre empresas privadas e estatais brasileiras, mas poderia investir mais em arte e cultura como actividade lucrativa, considerando o substancial mercado brasileiro das artes. Não apenas como mecena, mas como parceira e fomentadora de projectos NÃO contempláveis pelas leis de incentivo cultural.
O salto brasileiro vertiginoso, em menos de 20 anos, da dependência dos preços internacionais do petróleo para a auto-suficiência, e agora para a entrada no ranking dos grandes produtores, justificaria o surgimento de uma espécie de "gulbenkian" brasileira, já que o Brasil é um celeiro cultural e um sustentáculo para a expansão da língua portuguesa. Os brasileiros podem e devem cobrar isso, pois as actividades desenvolvidas no Brasil pela Petrobras são as principais responsáveis pelo resultado exibido por esta empresa, apesar da presença positiva em 27 países e da abertura à iniciativa privada. A Petrobras lidera os investimentos culturais no Brasil, mas devia investir mais, inclusive para incentivar outras empresas que também já o fazem. A expansão da cultura brasileira e a afirmação da língua portuguesa no mundo devem seguir a evolução dos negócios do petróleo, tanto em Portugal quanto no Brasil.
Ana Lúcia Araújo

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sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Novelas brasileiras em Portugal, cenas do próximo capítulo

Posso dizer, sem risco de exagerar, que as telenovelas são a ligação mais importante de sempre entre portugueses e brasileiros. A dramaturgia brasileira tem sido, desde Gabriela, um chamariz sobre a paisagem brasileira, o jeito, o sotaque, a música e o calor brasileiros. Em quase 20 anos de Portugal, só conheci dois portugueses que tinham horror disto tudo, por puro preconceito nacionalista, por isso não merecem ser lembrados. Os restantes mais que conheço, são todos fascinados pelo Brasil por causa das telenovelas ou por estas por causa do Brasil. Aliás, as duas coisas que os portugueses mais têm aprendido com os brasileiros e sobre o Brasil são: fazer telenovelas e falar à brasileira. Já há até uma personagem na versão Floribella em Portugal, interpretada por um actor português com sotaque brasileiro, embora a trama ainda não tenha revelado se de facto se trata de um brasileiro. A imitação de um carioquês misturado com baiano, com excesso de gírias no texto, soa mal demais, caricato que se farta, mas vale a intenção.

Quando cheguei a Portugal as pessoas ainda riam quando os meus filhos falavam “a gente vai sair”, “a gente sabe”, em vez de “nós vamos sair”. Ou quando batiam no banheiro – casa de banho - e eles respondiam “tem gente”, ao invés de “há gente”. Hoje nem por isso e o “nem por isso” eu aprendi com eles. Das telenovelas já não se diz por aqui que mostram só o lado bonito do Brasil, que escondem a verdadeira vida do brasileiro, etc. Já se reconhece que são informativas e até educativas. E dão verdadeiras aulas de cidadania. Estou a repetir “falas” de telespectadores portugueses. Eles até já sabem criticar o final das telenovelas, tal qual os brasileiros, até já observam as gafes. E mais, acompanharam que, pela primeira vez, em todos os tempos, os brasileiros fizeram a TV Globo alterar o final de uma telenovela, depois de emitido, antes da tradicional repetição do último capítulo, no Sábado. Aconteceu com Paraíso Tropical, a novela mais confusa de Gilberto Braga, apesar do final shakespeariano para algumas personagens merecer destaque.

Os portugueses ainda não escrevem telenovelas como o Gilberto Braga ou o Manoel Carlos - entre os melhores autores da Globo. Mas já aprenderam com os brasileiros a adaptar, realizar e representar textos originais de outros países, com argumentos adaptáveis a qualquer cena urbana ou semi-rural. Há roteiros - guiões - que são formatados para serem adaptados a qualquer país ou cidade. Floribella, Jura, Vingança, e agora Resistirei são conteúdos que apostam num perfil comum de público em qualquer língua. Conteúdos associados ao género melodramático que mantém o interesse do público na tela dos canais abertos, apesar da cada vez mais crescente diversidade dos canais temáticos por assinatura. Conteúdos que prometem projectar o melodrama para a dramaturgia via internet. Os portugueses ainda não adaptaram nenhum título brasileiro, até porque os argumentos são excessivamente presos ao contexto brasileiro, à crítica e caricatura da realidade brasileira, cultura que os portugueses entendem e admiram como a continuação da sua, mas da qual preferem manter certo distanciamento, de modo a não perderem o fascínio. Ouvi em Portugal a semana passada vários comentários sobre o final de Paraíso Tropical que foram ao encontro da percepção do público brasileiro. A algumas perguntas que não calaram, apesar do respeito e admiração do público de cá pelos autores, produtores e actores brasileiros. Tivesse sido transmitida em simultâneo, a reacção teria sido um momento marcante na história das telenovelas brasileiras em Portugal, por causa dos efeitos imediatos da interactividade. O contacto constante com a realidade brasileira, pelas telenovelas e não só, fez com que o público português observasse a necessidade de coerência, mesmo sem a exigir, como os brasileiros fizeram. A questão mais importante na última semana de Paraíso Tropical nem era “Quem matou Thaís?” e nem o porquê. E nem era uma questão, mas várias. Eu converso com as velhotas da aldeia viciadas em telenovelas brasileiras - só para criticar a “pouca-vergonha” dos amassos, que são só a fingir, ainda por cima - e converso com as meninas admiradoras do Bruno Gagliasso. E as perguntas são as mesmas.

Ao nível do público, me perguntaram se no Brasil é mesmo assim, se os ricos ficam pobres de repente, viram vendedores ambulantes e varredores de rua, caixas de supermercado, e se os pobres ficam ricos com uma ideia brilhante. Eu respondo sempre que, em termos de Brasil, num “continente” com mais de 150 milhões de telespectadores, as novelas imitam cenas da vida com luxo de realismo, mas a vida, por vezes ganha das novelas em termos de drama, romance e trama. A realidade brasileira é tão rica em histórias, que os jornais contam todos os dias, que por vezes quando a ficção tenta copiá-la, não consegue passar credibilidade. Tão diversas são as cenas brasileiras, que não sei porque as telenovelas repetem tanto alguns motes. Embora alguns valham a pena ser repetidos, como o do pioneirismo na ocupação dos espaços urbanos e criação de comunidades - com reconhecimento a Agnaldo Silva por Do Carmo e Juvenal Antena. O que mais me surpreendeu em Paraíso Tropical - e não só a mim - foi, para além da mobilidade social repentina mal explicada em algumas personagens, a excessiva preocupação de Gilberto Braga em traçar paralelos com a realidade factual brasileira, movimento que acabou caindo na caricatura grosseira. A problemática que ele pretendia espelhar e criticar, acabou passada ao público como um ingrediente divertido e normal, até aceitável da realidade. Temos a transformação de Bebel, que, presa e machucada, reaparece tempos depois, envolvida em um escândalo político - mais real impossível, pois todos os dias aparecem novas beldades envolvidas com políticos e escândalos no Brasil - mas, sem comentar sequer o que fez com o filho de Olavo, que ela esperava? Como? E o enterro dos irmãos shakespearianos Ivan e Olavo? Que vácuo! O filho do Antenor e da Lúcia, que nem no show do Milton Nascimento apareceu? Os gémeos da Paula, que nem estava grávida quando a Lúcia descobriu a gravidez, estes apareceram, numa cena romântica. Muitos fios soltos, até para o público português, que idolatra as novelas brasileiras e em boa parcela já conhecia o final através das revistas e da internet. Eu observei que para um autor como Gilberto Braga, de quem se ouviu certa vez que o seu único compromisso com a realidade era transformá-la, os paralelos neste argumento não funcionaram. Talvez porque o público ainda reconheça que a melhor maneira de retratar a realidade, na ficção, é usando o contraste. O público perdoou um final em que um vilão planeia matar a família e em que irmãos se matam entre si, mas uma jovem socialite virar gari e uma promoter virar camelô é mediano demais, caricato, de certa maneira arrogante em termos de punição dos maus. Há que ter mais cuidado ao se punir os maus com a pobreza, a loucura, a solidão, com a prisão, ou mesmo com a morte. Em se tratando de melodrama, é melhor radicalizar que ser subtil, ao se tentar fazer justiça - ou absolver - para satisfazer o público. Para não acabar por se fingir um realismo que fica a dever à realidade e se torna caricato e pouco credível.

Imaginem quantos finais de novela ficaram a dever ao público em coerência antes de existir a interactividade dos sites das televisões e da imprensa. Quando os milhares de cartas reclamando chegavam, e começavam a entulhar um compartimento qualquer da Globo, a novela seguinte já ia a meio e era campeã de audiência. Eu mesma já vi muita história mal contada em final de telenovela, sem ter chance de reclamar. O público português ainda não chegou o ponto de mudar o final de uma telenovela depois de ir para o ar o último capítulo, via fórum pela Internet como os brasileiros fizeram com Paraíso Tropical. Até porque, vindo do Brasil, tudo se explica e se aceita. Mas os canais da televisão aberta estão, aos poucos, horário a horário, substituindo a realidade brasileira pelos argumentos com motes do melodrama universal, dramaticamente bem vincados e que espelham a realidade de qualquer cosmopolita. Observando a televisão portuguesa, entre outros "termómetros" a conferir, já se nota um movimento de controlo ou equilíbrio desse fascínio pela cultura brasileira, meramente por saturação. O Portugal da Comunidade Europeia parece se querer cada vez mais cosmopolita, e não uma colónia cultural brasileira. Influência também tem limites e isto nada tem a ver com afinidades entre dois povos irmãos, mas na afirmação cada qual por cada qual daquilo que é seu.

Ana Lúcia Araújo

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quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Petróleo é mesmo nosso, e é real

Enquanto no hemisfério Norte todos se preocupam com uma crise do combustível durante o inverno que se aproxima, e os preços do barril de petróleo disparam por conta da desvalorização do dólar, o Brasil exibe a sua performance de auto-suficiência em petróleo, longe do frio de doer nos ossos que impõe gastos absurdos de energia, e dos conflitos políticos que marcam a actualidade do vizinho, a Venezuela. A Petrobras é líder mundial na exploração e produção de petróleo em grande profundidade, no leito do mar. E a bacia de Campos a maior fonte dessa autonomia.

Quem viveu, como eu, a segunda metade da década de 1970, anos de ditadura militar e primeiros anos de descompressão política, dos efeitos dos choques do petróleo na economia brasileira e mundial, e vivieu a nostalgia da campanha vitoriosa O Petróleo é Nosso - que havia unido direita e esquerda em torno da criação da Petrobras - sabe que o Brasil está hoje a viver um sonho. Será que sabe? Dizem que vivido por dentro o sonho é bem real, mas ainda bem. Em 1979, exactamente na altura em que, já iniciada pela esquerda, me engajava no movimento estudantil e, ao mesmo tempo, vivia o dancing days, se alguém me disesse que eu viveria para ver o Brasil auto-suficiente em petróleo, ia dar risada e pensar que esse alguém era um falso profecta do desenvolvimentismo. Embora só tivesse 17 anos, já havia levado muita corrida da "repressão" em passeatas e dissertava bem sobre a crise brasileira. E não me acanhava quando algum exacerbado me xingava de alienada porque eu saia de um ato público directo para uma matiné na discoteca, para disputar medalhas e prêmios em dinheiro nos concursos de dança. A vida era a sério na altura, apesar da abertura que se conquistava aos poucos, mas também era para sonhar. Auto-suficiência em petróleo não, porque era delírio.

Na década de 80, quando a minha militância se misturou com a minha iniciação no jornalismo, iria pensar o mesmo, se alguém me acenasse com essa possibilidade. No início de 1980, quando entrei para a universidade, comecei logo um estágio no jornal A Província do Pará - quarto jornal fundado no Brasil por Assis Chateaubriand, componente dos Diários Associados - e escrevia paralelamente matérias para o Jornal Hora do Povo, que chegava às bancas do país recebido com bombas - acreditem que durante um tempo recorde consegui conciliar essas duas actividades. Nesta altura, as eleições directas, o controle da inflação e da dívida externa, o fim da censura política e a liberdade de expressão, eram ainda bandeiras de luta. A Petrobras já era uma estatal produtiva e de nome sonante, mas, autonomia em petróleo, nem no melhor dos sonhos. Os Anos 90 chegaram, com tudo o que reza a história recente dos brasileiros ainda vivos hoje, e na meia idade, como eu. Inclusive chegaram com o prazer e a gana de elegermos, por voto directo, um Presidente da República, para logo depois experimentarmos mandá-lo embora. O Brasil podia tudo. Mas autonomia em petróleo era apenas uma expectativa, quanto mais no rítmo em que andavam as pesquisas nas universidades brasileiras, quase sem excepção, por falta de verbas e de competência política.

Mas o Brasil mudou, melhorou, só quem é cego não reconhece. E o que não mudou pode ser dito, mostrado e mudado, em alto e bom som. Muitos disparates continuam a ilustrar a política, a economia e a história do Brasil, mas hoje as formas de censura à crítica social e política é que são clandestinas. Minha careira guinou para o nicho da Assessoria de Imprensa e me trouxe para o lado de cá, Portugal, sem nunca eu ter deixado o Brasil totalmente. Viajar entre o Brasil e a Europa é hoje um sonho possível de realizar-se para um número cada vez maior de brasileiros. E o avanço das tecnologias da comunicação multimedia me permitem hoje trabalhar, com desenvoltura, de um lado e outro do Atlântico, inclusive escrever, estando em Portugal, para um jornal editado numa importante cidade do Rio de Janeiro, justamente localizada na zona capital da auto-suficiência em petróleo, Macaé. Um sonho brasileiro e meu, contido numa ficção, hoje uma história bem real que eu vivi para ajudar a escrever.

Ana Lúcia Araújo
num sonho sonhado

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Estudar e trabalhar, os jovens querem mais…


Por causa da curiosidade, quase hábito, de prestar atenção ao que os jovens conversam entre eles, ouço muitas vezes estudantes universitários a comentarem sobre os cursos que fazem, como sendo uma etapa obrigatória a cumprir na vida – com seus prazeres característicos, mas obrigatória – no caminho para a independência económico-financeira, para a liberdade de possuir o que é normal para um cidadão adulto de uma comunidade global. Ouço também com atenção as críticas frias e duras que lhes fazem os mais crescidos pela aparente despreocupação com a qualidade do próprio aprendizado e com a ética da futura profissão escolhida. Os jovens não estão errados, penso eu, quanto a quererem conquistar, bem mais cedo talvez do que fizeram os pais, tudo o que acham que devem ter. Eles têm pressa de ter, mais que de ser, aparentemente. Mas irrequietos que estão, é porque querem ser mais do que são.


Cabe-nos, adultos e mais experientes, orientá-los nas suas descobertas, para que não estagnem por não entenderem para que serve o que lhes ensinam. Para que entendam que aprender servirá, não apenas para que nos livremos deles mais cedo, assim como da responsabilidade de darmos a eles o que tivemos e o que não tivemos. Os jovens querem mais e nós temos a obrigação de nos candidatarmos a ser ao menos a lanterna de que eles precisam para iluminar os seus caminhos escuros, sem com isso tentarmos apagar a tocha dos seus desejos. Ou isso ou corremos o risco de sermos substituídos, neste papel orientador, pelos faróis dos carros espectaculares com os quais começam a sonhar mal a maioridade se aproxima. Para prejuízo deles e do mundo que os espera. O desejo de ter, em si, não é negativo nem anula o desejo de servir a comunidade ou a sociedade – que deve ser o norte de qualquer escolha profissional – já o dizem alguns estudiosos do consumo. Um teórico chamado Canclinni defende mesmo que o desejo de consumir e possuir pode representar uma tomada de consciência das necessidades, dos direitos e das injustiças sociais. E fala até de uma possível cumplicidade entre o consumo e a cidadania. Resta-nos reforçar que o ter é resultado do saber conquistado e da utilidade do que se aprende, da evolução que gera novas necessidades de aprender e fazer. Mais do que um resultado da conquista de títulos académicos e de níveis salariais galgados a margem do laboratório social.


Para além de ouvir os jovens, tenho acompanhado discussões sobre problemas crónicos de conteúdos e objectivos da educação, sobre as relações entre ensino, mercado de trabalho e reflexos dessa relação na qualidade dos serviços oferecidos e prestados à sociedade. E ainda sobre a devida influência desta relação na noção de cidadania que se tem – ou não se tem – hoje. A relação entre as universidades e as empresas, como foros específicos de abrigo do ensino e do trabalho, tem sido cada vez mais discutida e estudada, nem sempre motivada pelo gancho da produção do conhecimento e da aplicação do mesmo, mas, pelo menos, por causa da produção do emprego, o estatuto necessário à sobrevivência, à dignidade e ao bem estar social. Uma aparente cumplicidade de interesses entre o ensino e o trabalho levanta questões que antecipam o futuro, na medida em que certas preocupações isoladas com a qualidade do ensino ganham corpo e começam a apontar novos rumos. Questões que suscitam reacções emotivas estão no contexto de diversos novos programas educacionais, sejam estes inspirados em métodos conhecidos ou modelos experimentais. Exemplos já postos à prova, mas que aos nossos ouvidos chegam quase sempre como jogos virtuais. Experiências ainda pontuais, mesmo em países onde já foram provadas e aprovadas.


Nos países onde a relação entre as universidades e as empresas exibem certa harmonia de interesses, começa a haver uma cumplicidade positiva, baseada na preocupação com a qualidade do ensino e com o produto do trabalho, para além de um acordo implícito e imediatista, baseado em motivações funcionais, como a elevação dos níveis de empregabilidade. Um certo número de empresas pelo mundo já assimilaram que necessitam tratar o elemento humano como a componente mais importante e investem na "formação" dos seus quadros e na posse de suas carreiras. Mas ainda não exigem das universidades que estas lhes entreguem profissionais preparados, mas tão-somente tecnólogos iniciados e prontos para o adestramento profissional. E algumas escolas ainda buscam melhorar em qualidade de ensino a partir da ideia de uma oferta diversificada, da criação de novos rótulos de licenciaturas e pós-graduações específicos, que se transformem futuramente em diplomas especializados. O suficiente para manterem aceso o interesse de um conjunto de empregadores, de modo a garantir uma taxa de empregabilidade satisfatória. Uma ciranda na qual o jovem que acaba o ensino secundário acaba por embarcar, atraído pelas escolas mais requisitadas pelas empresas. Entretanto, este fenómeno não é uma realidade acabada.

Arrisco-me a observar que o ensino universitário está a atravessar, principalmente nos países em via de desenvolvimento, uma fase de transição entre a ideologia academicista, a escola teórica e elitista, isolada das práticas sociais, e a escola preocupada com a utilidade do ensino e com a cidadania. Mas a tendência a adaptar-se às políticas de colocação no mercado de trabalho faz parte de um contexto transformador que não pode nem deve ser negado. Tem que haver. A exposição das diferentes visões sobre a temática deve ser incentivada. E esta preocupação deve envolver, para além dos profissionais da educação e autoridades políticas, os estudantes, representantes de empresas e instituições públicas. Assim como os profissionais dos recursos humanos, os pais e por fim o cidadão comum em quem a qualidade do ensino e do trabalho se reflecte.


Solucionar os tão conhecidos e comentados "problema da educação” e “problema do emprego”, em qualquer país em desenvolvimento, requer melhorar a qualidade da interacção entre os dois factores, mas na perspectiva jovem de mudar o mundo. Ao escutá-los é-nos possível perceber a ansiedade que têm por uma vida profissional estável e segura, mas uma inquietação de quem quer algo mais do que isso, e que nem sempre sabe o que é. É preciso nos aventurarmos com eles para bem além dos programas, dos métodos e dos acordos de cooperação interinstitucionais. Organizar os interesses entre o ensino e o trabalho não exclui incentivar os jovens a aventurar-se socialmente, a reaverem o entendimento da educação como necessidade humana e da universidade como algo mais que uma formalidade a cumprir.

Ana Lúcia Araújo
Mãe do Camilo Augusto Pretti, nas fotos com colegas da Universidade de Aveiro, Portugal, na séria e também divertida aventura de aprender as Novas Tecnologias da Comunicação.

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