.

terça-feira, 8 de março de 2011

Tecnomelody patrimônio artístico e cultural do Pará apesar da crítica pé-de-chumbo


Tecnomelody, nome próprio, não tecno melody, você sabe o que é? Se não, comece por aqui. Fiquei sabendo que um fenômeno musical literalmente estrondoso é agora patromônio cultural na terra onde surgiu. Natural. De onde surgiu e de onde avançou sobre o Brasil. É cantar e dançar ao som de aparelhagens tão potentes, que podem deixar um trio elétrico a pensar que é carrinho de criança. O Tecnomelody é do Pará, o estado brasileiro situado na foz do Rio Amazonas. Embalado hoje com um pomposo nome e configurado num movimento, está entre as referências mais fortes que tenho da minha adolescência na zona bragantina nos anos 70, como dos meus dez anos de Belém, a capital. É nome, tem história e já é objeto de estudos antropológicos, pela importância que ganhou. E como todo bom movimento artístico, já sofre a crítica de grupos intelectuais conservadores. Veja o vídeo acima, veja outros, e... indo ao norte do Brasil, uma sugestão: saia do cartão postal e caia no batidão do Tecnomelody.

As letras ainda "dor-de-cotovelo", relatando cenas amorosas, não combinam com o ritmo alucinante da música e dos movimentos da dança, nem com o volume das "aparelhagens" que fazem o ambiente das festas com milhares de participantes. Mas tem uma pitada de humor que já faz parte do gênero. Como não podia deixar de ser, há variantes no que toca às letras, como por exemplo, a utilização do ritmo pelo Gospel. O ou "a" Tecnomelody começou com o brega, o calypso e o tecnobrega e transformou-se numa expressão em que, música, dança e multidão, não podem ser entendidas em separado. É um ambiente, um espetáculo, uma maneira de viver. Ainda hoje tenho entre os meus favoritos no Youtube registros recuperados dos primeiros artistas do gênero brega. Eu sempre achei que o movimento ia crescer e que os paraenses não deixariam que outros assinassem em baixo uma característica genuína deles. Isso desde que, equivocadamente, chamavam o trabalho do Beto Barbosa de lambada, por influência da música ligeira baiana da época, que nem lambada era. Desde que as canções brega ganharam os bailes acadêmicos paraenses, para fazer a cabeça e os pés de toda essa geração, que as resgatam agora como parte desse património assumido. Identifico no Tecnobrega ou no Tecnomelody - uma definição universal menos preconceituosa - uma mistura de ritmos e influências, de dentro e de fora do Estado do Pará, da região amazônica e até de fora do país. Elementos do forró, dos boleros, do samba, do calypso, do tecno, do carimbó e dos merengues puros que ouvíamos nas rádios nos anos 60 e 70, misturados de um modo que só no Pará foi e é possível.

Debaixo do "chumbo" de alguns críticos academicistas, a assembleia legislativa aprovou por unanimidade o Tecnomelody como patromônio cultural e artístico do Pará. A reação ao fato, por parte dos inconformados, beira ao ridículo em argumentos preconceituosos e ultrapassados. Mais ou menos como aconteceu com o samba no início do século XX, ou com o funk carioca recentemente. Um especialista em literatura, por exemplo, debulha-se em um artigo publicado por um importante órgão de comunicação, em explicar o sentido original dos termos "cultura" e "patromônio", sem sequer lembrar um pouco sobre a evolução semântica das palavras. O crítico erudito invoca ainda as "profecias" de Adorno sobre comunicação e cultura "de massa" esmerando-se em puxar, ainda, pela pretensiosa, esmiuçada e questionada escola de Frankfurt, em plena era das redes sociais. Eu também me perderia aqui em tentar contrariar o articulista, usando a mesma escola de teóricos da comunicação que ele cita - ou outras mais recentes - se me tivesse ficado pelo que se estudava nas faculdades de jornalismo até aos anos 80 nesse domínio. Deixo o link do "dinossauro" da cultura aqui para que vocês mesmos apreciem.

Volto ao Tecnomelody com inicial maiúscula. Este não é um post acadêmico e me esforço para que seja apenas um artigo de blog, que quer comentários com acréscimos ou correções. Ainda lembro quando as primeiras composições regionais do gênero brega passaram a tocar nas rádios paraenses, ainda chamadas de boleros, por causa da semelhança com os temas amorosos de Nelson Gonçalves, Waldick Soriano ou mesmo do nada "deprê" Reginaldo Rossi. No Pará o nome de Osvaldo Oliveira e a sua música passaram a ser ouvidos na rádio a toda hora. Ele era conhecido no meio da verdadeira música popular brasileira. E havia outros, que tinham vindo antes, ou vieram depois dele, que agora constam de registros interessantes que tenho lido. Não quero fazer agora uma cronologia do gênero brega e dos autores, vocês podem encontrar isso facilmente numa pesquisa. Quero apenas contar um pouco do que testemunhei da evolução do fenômeno, na ótica de ouvinte da rádio e participante esclarecida do movimento, em dada altura, muito bem antes até que alguém se lembrasse de o incluir no patrimônio cultural. Porque é isso e o Deputado Carlos Bordalo é oportuno no seu projeto: patrimônio cultural deve incluir muito mais do que o convencional e o tradicionalmente aceito.

Nem sei como nem quando exatamente começaram a chamar o ritmo em questão de brega. A qualquer hora hei de pesquisar melhor a respeito. Creio que houve uma época em que o termo "brega" começou a ser o contrário de chique (esse mais antigo). Lembro-me bem de que gente culta, chique, despojada ou engajada, ouvia as canções da MPB, que havia ganho esta sigla por conterem letras que defendiam a liberdade e os interesses do povo, na visão crítica da época, de que as pessoas cultas é que sabíam do que o povo gostava. Era uma dúzia de músicos que exprimiam a consciência e a resistência políticas e escreviam letras inteligentes, cheias de metáforas e refrães de intervenção. E que por isso foram perseguidos pela censura. Também quem não era perseguido não era bem MPB, mas essa é outra questão. Eram canções chiques, estimulantes, mas só tocavam nas rádios "cultura" e raramente sustentavam os seus autores - até por isso era ainda mais chique ouvir e gostar de MPB. Então o que não era chique era brega. Músicas com temas alienantes, que puxavam mais pelo coração que pela cabeça, também eram brega. Nas rádios brasileiras em geral só quase tocava música estrangeira, ou de brasileiros que cantavam em inglês. Mas no Pará a história sempre foi outra. Os "bolerões" ou "músicas de corno", por tocarem obrigatoriamente nas festas com aparelhagem e venderem discos como farinha de mandioca, foram rotuladas como músicas comerciais e de gosto duvidoso, mas tocavam nas rádios e competiam fortemente com a música estrangeira. Alguns autores eram realmente pavorosos, temos que admitir. Mas as rádios e as aparelhagens tocavam na mesma as suas músicas. O brega então evoluiu de uma denominação pejorativa para um género musical sem similares no Brasil. Evoluiu e continua evoluindo, audaciosamente.
Um pouco por todos os gêneros musicais brasileiros, quem vendia disco não era bem artista. Era comercial, brega e não era popular no bom sentido. Os "monstros" da MPB eram os bons, mas foi só com a chegada do chamado Rock Brasil, nos anos 80, que as rádios a nível nacional passaram a tocar mais a música feita no Brasil que a música de fora. O Rock Brasil, a nova MPB o Axé e o Brega conseguiram o que a tradicional MPB parecia querer, sem querer bem, para não perder a aura. No Pará as rádios sempre foram um caso à parte. Radialistas corajosos executavam o que lhes dava na gana, em horários privilegiados, não escondendo as suas preferências. Nas festas de barracão e quadra, as aparelhagens ainda modestas reproduziam as canções que se ouvia nas feiras, a lambada e o merengue genuínos que se ouvia pelas AM e ondas médias. Creio que a denominação "brega" pode ter vindo daquela intriga "de época" da crítica culta e engajada, em aceitar que artistas com pouca instrução sobrevivessem da sua música e tocassem nas rádios, dentro ou fora do esquema das gravadoras. Era compreensível a "pendenga" naquele tempo difícil, em que um regime político fechado tentava utilizar as manifestações culturais que entravam no gosto popular para promover a alienação da conciência. Ao contrário de hoje, em que tudo o que cai no gosto do povo pode ser melhorado na medida em que se torna mais abrangente e em que os preconceitos são deixados de lado. Espero que o Tecnomelody não seja um patrimônio fechado e que a festa esteja só no começo.

Dedico este post à minha querida e instigante amiga, a artista plástica paraense Lúcia Gomes

Marcadores: , , , , , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home