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terça-feira, 18 de março de 2008

Façamos um acordo ortográfico de cavalheiros


O acordo ortográfico modificará apenas 1, 6% do vocabulário português e na grafia brasileira a alteração será bem menor, apenas 0.45%. Para quem migrou há muitos anos e já acostumou com a maneira local, é só uma questão de ficar ligado em algumas palavras e não as mandar ao público sem verificar. Ainda assim, "pisando em ovos" com os acentos. Público fica com acento? E se não houver assento e o público permanecer de pé? Deve ficar com o acento no "ú" para não haver confusão com o presente do indicativo do verbo publicar. Então vamos lá continuar a escrever sem medo de errar. Por mim o tal acordo já sofria um aditamento e abolia as expressões entre aspas, junto com os ífens, os tremas e tudo o que dá trabalho digitar. Bem vindos de volta os K,W e Y que fazem cá uma falta!
Para quem começou com o português matuto amazônico, mudou pra o portinglês dos surfistas cariocas e veio para Portugal viver de escrever em jornal, como eu, é mais confuso. Até porque quando já ia bem no aprendizado, depois de quase dez anos de tratamento "a porto", voltei ao Brasil e durante três anos e tive que praticar press-releases em pleno Rio de Janeiro, para depois voltar para Portugal e reabituar-me ao português com "cês" e "pês" a mais na redacção, confundidos pelo enxertado português dos internautas (smsês), palavras com letras a menos como nos antigos telegramas, abreviações que fazem os sms custarem menos dinheiro, palavras com letras a mais só pra alongar o fonema (soh, eh), palavras em inglês entre aspas, nomes próprios traduzidos, enfim, reciclagem completa que tanto me deixa a vontade quanto me baralha a cabeça. Ainda bem que vivi para escrever nos blogues, onde toda a gente pode ler na hora, mandar vir, criticar, deixar recado. Como isto não é papel e as pessoas não podem amassar e deitar ao lixo, qualquer confusão que eu faça, posso reeditar e republicar. Republicar? Que diabo é isso? Re-publicar talvez. E a galera, como não me deixa passar batida, não me deixará a língua ir presa por não cumprir com o acordo ortográfico. Eu escrevo, vocês corrigem, puxam o acento e eu me ajeito. De que outra maneira a esta altura irei fixar as regras do tal acordo? Já são muitas as palavras com sentido atravessado que o acordo nem ousou tocar. Alguém sabe o que quer dizer pila, em português brasileiro matuto? Mas esta é outra crônica, pois outra coisa que estou a aprender a duras penas é a escrever no português econômico dos blogues para ser rapidamente lida.
Não estou entre os primeiros brasileiros a chegar a Portugal, como é óbvio, mas quando cá cheguei ainda os portugueses gozavam com a nossa pronúncia. No próximo artigo vou contar as minhas aventuras iniciais com o português de Portugal. Nada parecido com aquelas anedotas de lisboeta sobre alentejano, de brasileiro sobre português, ou de carioca sobre bahianos. São episódios baseados em confusões bem reais. Lembrem-se de me cobrar ainda o artigo sobre os tiques da língua nos dois principais países onde se fala português, principalmente entre os comunicadores brasileiros e portugueses, cujas manias não há acordo ortográfico que unifique. Palavras utilizadas como vírgulas, para disfarçar gagueiras na narração e nervosismo, mas que viraram vício. Já não bastava a diversidade das expressões? Façamos um acordo paralelo para tratarmos juntos de extinguir certos disparates.

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quarta-feira, 5 de março de 2008

São todos reféns das Farc e de Hugo Chavez?


É o que indicam as reacções pelo mundo sobre a rusga na América do Sul, que nem chegará a ser um conflito, pelo que dizem os analistas políticos. A repercussão internacional sobre o ataque do governo colombiano às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), na fronteira com o Equador, está a ser induzida por dois factores: pela intervenção de Hugo Chavez e pelo medo do retrocesso que a crise pode representar nas negociações para a libertação dos reféns em poder dos terroristas, especialmente a da franco-colombiana Ingrid Betancourt. Hugo Chavez aproveita para protagonizar mais um episódio e fincar mais uma acha no terreno da discórdia com a Colombia, enquanto países da América do Sul e da Europa reagem como reféns de um desfecho, no caso da prisioneira mais famosa das Farc e doutros em via de serem libertados, juntando-se para lamentar a morte de Raúl Reyes, o segundo homem na hierarquia da organização terrorista colombiana. "Não é uma boa notícia que Reyes, o homem com o qual falávamos e tínhamos contatos, tenha sido morto", disse o chefe da diplomacia francesa à France Inter. A Colombia, entretanto, reage.

Pressionada a Colômbia pediu desculpas por uma operação que a obrigou a invadir o território equatoriano. Certamente esta não teria sido a primeira vez, mas desta vez o presidente da Venezuela Hugo Chavez ameaçou-a com a guerra, caso esta fizesse o mesmo e invadisse o seu país. Até já enviou forças para a fronteira colombiana e parece querer acender ainda mais alguns fósforos para se manter visível até que a crise termine. A Colômbia pediu desculpas pelo mau jeito, mas Quito, ao que parece com o respaldo de Chavez, não aceita o pedido, e não nos enganemos que seja por causa da invasão. O pedido de socorro ao presidente brasileiro Lula e à OEA pode ser uma encenação política. O objectivo da recusa do Equador é descredibilizar a Colômbia, que levanta mais uma "lebre" sobre as alianças que as Farc mantém com o governo de Rafael Corrêa. Nos computadores apreendidos a Luis Edgar Devia - nome verdadeiro de Raúl Reyes - estavam mensagens que sugerem a conivência com as Farc por parte de setores das forças armadas do Equador. Muito provavelmente com a retaguarda de Hugo Chavez. O presidente da Venezuela utilizou as negociações para a libertação de reféns, assim como os recuos da Farc quanto a Ingrid Betancourt, para dispor a comunidade internacional contra a Colômbia, mas cometeu mais um erro em não se ter mantido calado e a certa distância deste último episódio. Pois a atenção da comunidade internacional está direcionada neste momento para as Farc. Enquanto Ingrid está sequestrada, a reacção dos outros países aparentemente coincidem com as de Chavez e Corrêa, mas as Farc vêm angariando, episódio a episódio, e cada vez mais, a antipatia da opinião pública mundial, por manterem sequestrados civís inocentes, inclusive mulheres e crianças.

A política externa brasileira também desanda na intervenção pacificadora, quando foca a atenção ao esclarecimento da morte de Raúl Reyes na invasão da fronteira do Equador. Aparentemente se desconsidera a nítida intenção de Chavez de invadir a Colombia, com o apoio do Equador e também das Farc, que no caso seriam conduzidas para não serem esmagadas. Se a aliança com Quito for comprovada, as reacções serão imprevisíveis. As Farc poderão libertar a maioria dos seus reféns para não atrairem a ira do mundo sobre si, inclusive a ira dos prováveis aliados, e daí sobreviverem como organização. Ou então executá-los todos, inclusive Ingrid, numa demonstração retaliadora de força contra a Colômbia que matou Reyes. E muito possivelmente sob a indiferença dos mesmos prováveis aliados. Chavez continuará, a partir desta crise, a interessar-se pela sorte dos reféns?

Caso a aliança com Rafael Corrêa fique provada o presidente venezuelano provavelmente lavará as mãos e se calará por um tempo. As circunstâncias em que os reféns têm sido libertados e as nuances dessas negociações deveriam preocupar a comunidade internacional, mais do que as circunstâncias em que um terrorista foi morto ou em que um país foi invadido, quanto mais se o invasor já se desculpou. São duas nações com autonomia para solucionar uma crise. A segurança política que Chavez demonstra quando se refere às Farc deverá ser vigiada mais de perto pela comunidade internacional a partir de agora.

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