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quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Estudar e trabalhar, os jovens querem mais…


Por causa da curiosidade, quase hábito, de prestar atenção ao que os jovens conversam entre eles, ouço muitas vezes estudantes universitários a comentarem sobre os cursos que fazem, como sendo uma etapa obrigatória a cumprir na vida – com seus prazeres característicos, mas obrigatória – no caminho para a independência económico-financeira, para a liberdade de possuir o que é normal para um cidadão adulto de uma comunidade global. Ouço também com atenção as críticas frias e duras que lhes fazem os mais crescidos pela aparente despreocupação com a qualidade do próprio aprendizado e com a ética da futura profissão escolhida. Os jovens não estão errados, penso eu, quanto a quererem conquistar, bem mais cedo talvez do que fizeram os pais, tudo o que acham que devem ter. Eles têm pressa de ter, mais que de ser, aparentemente. Mas irrequietos que estão, é porque querem ser mais do que são.


Cabe-nos, adultos e mais experientes, orientá-los nas suas descobertas, para que não estagnem por não entenderem para que serve o que lhes ensinam. Para que entendam que aprender servirá, não apenas para que nos livremos deles mais cedo, assim como da responsabilidade de darmos a eles o que tivemos e o que não tivemos. Os jovens querem mais e nós temos a obrigação de nos candidatarmos a ser ao menos a lanterna de que eles precisam para iluminar os seus caminhos escuros, sem com isso tentarmos apagar a tocha dos seus desejos. Ou isso ou corremos o risco de sermos substituídos, neste papel orientador, pelos faróis dos carros espectaculares com os quais começam a sonhar mal a maioridade se aproxima. Para prejuízo deles e do mundo que os espera. O desejo de ter, em si, não é negativo nem anula o desejo de servir a comunidade ou a sociedade – que deve ser o norte de qualquer escolha profissional – já o dizem alguns estudiosos do consumo. Um teórico chamado Canclinni defende mesmo que o desejo de consumir e possuir pode representar uma tomada de consciência das necessidades, dos direitos e das injustiças sociais. E fala até de uma possível cumplicidade entre o consumo e a cidadania. Resta-nos reforçar que o ter é resultado do saber conquistado e da utilidade do que se aprende, da evolução que gera novas necessidades de aprender e fazer. Mais do que um resultado da conquista de títulos académicos e de níveis salariais galgados a margem do laboratório social.


Para além de ouvir os jovens, tenho acompanhado discussões sobre problemas crónicos de conteúdos e objectivos da educação, sobre as relações entre ensino, mercado de trabalho e reflexos dessa relação na qualidade dos serviços oferecidos e prestados à sociedade. E ainda sobre a devida influência desta relação na noção de cidadania que se tem – ou não se tem – hoje. A relação entre as universidades e as empresas, como foros específicos de abrigo do ensino e do trabalho, tem sido cada vez mais discutida e estudada, nem sempre motivada pelo gancho da produção do conhecimento e da aplicação do mesmo, mas, pelo menos, por causa da produção do emprego, o estatuto necessário à sobrevivência, à dignidade e ao bem estar social. Uma aparente cumplicidade de interesses entre o ensino e o trabalho levanta questões que antecipam o futuro, na medida em que certas preocupações isoladas com a qualidade do ensino ganham corpo e começam a apontar novos rumos. Questões que suscitam reacções emotivas estão no contexto de diversos novos programas educacionais, sejam estes inspirados em métodos conhecidos ou modelos experimentais. Exemplos já postos à prova, mas que aos nossos ouvidos chegam quase sempre como jogos virtuais. Experiências ainda pontuais, mesmo em países onde já foram provadas e aprovadas.


Nos países onde a relação entre as universidades e as empresas exibem certa harmonia de interesses, começa a haver uma cumplicidade positiva, baseada na preocupação com a qualidade do ensino e com o produto do trabalho, para além de um acordo implícito e imediatista, baseado em motivações funcionais, como a elevação dos níveis de empregabilidade. Um certo número de empresas pelo mundo já assimilaram que necessitam tratar o elemento humano como a componente mais importante e investem na "formação" dos seus quadros e na posse de suas carreiras. Mas ainda não exigem das universidades que estas lhes entreguem profissionais preparados, mas tão-somente tecnólogos iniciados e prontos para o adestramento profissional. E algumas escolas ainda buscam melhorar em qualidade de ensino a partir da ideia de uma oferta diversificada, da criação de novos rótulos de licenciaturas e pós-graduações específicos, que se transformem futuramente em diplomas especializados. O suficiente para manterem aceso o interesse de um conjunto de empregadores, de modo a garantir uma taxa de empregabilidade satisfatória. Uma ciranda na qual o jovem que acaba o ensino secundário acaba por embarcar, atraído pelas escolas mais requisitadas pelas empresas. Entretanto, este fenómeno não é uma realidade acabada.

Arrisco-me a observar que o ensino universitário está a atravessar, principalmente nos países em via de desenvolvimento, uma fase de transição entre a ideologia academicista, a escola teórica e elitista, isolada das práticas sociais, e a escola preocupada com a utilidade do ensino e com a cidadania. Mas a tendência a adaptar-se às políticas de colocação no mercado de trabalho faz parte de um contexto transformador que não pode nem deve ser negado. Tem que haver. A exposição das diferentes visões sobre a temática deve ser incentivada. E esta preocupação deve envolver, para além dos profissionais da educação e autoridades políticas, os estudantes, representantes de empresas e instituições públicas. Assim como os profissionais dos recursos humanos, os pais e por fim o cidadão comum em quem a qualidade do ensino e do trabalho se reflecte.


Solucionar os tão conhecidos e comentados "problema da educação” e “problema do emprego”, em qualquer país em desenvolvimento, requer melhorar a qualidade da interacção entre os dois factores, mas na perspectiva jovem de mudar o mundo. Ao escutá-los é-nos possível perceber a ansiedade que têm por uma vida profissional estável e segura, mas uma inquietação de quem quer algo mais do que isso, e que nem sempre sabe o que é. É preciso nos aventurarmos com eles para bem além dos programas, dos métodos e dos acordos de cooperação interinstitucionais. Organizar os interesses entre o ensino e o trabalho não exclui incentivar os jovens a aventurar-se socialmente, a reaverem o entendimento da educação como necessidade humana e da universidade como algo mais que uma formalidade a cumprir.

Ana Lúcia Araújo
Mãe do Camilo Augusto Pretti, nas fotos com colegas da Universidade de Aveiro, Portugal, na séria e também divertida aventura de aprender as Novas Tecnologias da Comunicação.

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