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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A crise e o medo de mudar


O Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, fez hoje uma advertência nada romântica ao Governo, sobre as consequências da crise económica para o futuro do país. Numa surpreendente mudança de postura presidencial, Cavaco alertou para a necessidade de se definir prioridades no enfrentamento da crise e os comentadores de economia na imprensa "descodificam" o discurso do presidente como uma preocupação com a probabibilidade de não haver dinheiro para investir na retomada do crescimento econômico. A possibilidade de as medidas tomadas este ano não funcionarem como solução não é pensável sequer, e as preocupações já alcançam o próximo ano, que Cavaco Silva, entretanto, acredita que será bem melhor do que este, que mal começou.

O tom usado pelo presidente português parece dar a entender que alguém ainda não acordou para a gravidade da situação, no mesmo dia em que os socialistas reelegem presidente do partido do Governo o Primeiro Ministro José Sócrates, que discursa sobre a crise e fala da Educação como prioridade para a recuperação de Portugal para o futuro. Relança ainda ao país a polêmica questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto opiniões contrárias consideram a questão como uma distração dos problemas prioritários, e ele rebate essas e outras resistências falando sobre o medo de mudar. Mário Soares, o lendário socialista, que também havia se manifestado sobre o casamento gay com alguma rejeição, ainda não comentou o discurso de Sócrates e nem reagiu ao alerta do atual Presidente da República.

O medo de mudar é uma característica comum à maioria dos portugueses, que atinge o meio político, pressionado sempre entre a militância esclarecida da classe média, que vê o país a andar sempre atrás dos parâmetros europeus, e a maioria dos eleitores, que vota e determina a sobrevivência da classe política, tem consciência de que vive abaixo dos padrões europeus, mas reage mal às mudanças, por medo de que tudo venha a piorar. A pior crise pode ser esta, a da falta de autoconfiança, que pode ter outras crises como razão de fundo.

Sobre crise e mudanças, fala-se a mais em economês e politiquês, e a impressão que dá, quando os portugueses conversam sobre a realidade do país, é de que estão pouco esclarecidos, apesar da saturação informativa, sobre a crise e sobre o papel de cada um diante da mesma. A noção que a maioria do eleitorado tem da crise se manifesta ainda primariamente, apenas ao nível do desemprego sentido, dos preços, do fechamento das empresas e das demissões em massa, que assistem pela televisão todos os dias, sem entenderem o porquê de não haver um culpado, ou com preocupação mais focada em entender as culpas, do que em participar da recuperação do país, com algo mais do que a paciência para esperar e alguma reserva para "queimar". A crise, na visão da maioria das pessoas comuns com quem converso, ainda é um bocado como o mau tempo, que passará, mal passe o tempo dela. A relação entre o eleitor e o "meio político" é sentimental, um misto de desconfiança nos políticos e excesso de confiança no Estado.

O presidente português e o atual Primeiro Ministro vêm de partidos diferentes, mas nos discursos de hoje, contemplam necessidades urgentes e que só são incompatíveis do ponto de vista eleitoreiro. O Governo precisa perceber a gravidade da crise e definir prioridades. Mas precisa informar e envolver a população nas soluções, falar claramente de participação e de sacrifício, levar o esclarecimento sobre a crise, em bom português, para as escolas, por exemplo. Mesmo com o risco de uma reação eleitoral contrária. Afinal, no que mais as coisas poderão piorar? Para identificar ou partlhar culpas, para que o fenômeno em si seja entendido, no contexto histórico e político, e para que cada um possa assumir a sua parcela de responsabilidade pelos atrasos do país. É preciso que pelo menos se tente que o medo de mudar seja isolado, para que o Primeiro Ministro deixe de parecer o representante de uma maioria silenciosa. E para que o alerta de um Presidente da República não cale como um discurso de choque, que perde o impacto no dia seguinte. Cavaco Silva está mudando e todos podem mudar.

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado".
Karl Marx, Das Kapital, 1867

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Oposição deu a Sócrates a "pilula" da popularidade de Lula?

Por vezes gosto de ler e comentar rente aos factos, mas quando assisto a manifestações massivas fico no observatório, a ver se a poeira abaixa ou não. Não me agrada que a minha modesta opinião seja confundida com mais uma acha na fogueira. Assim me comportei diante do possível envolvimento do primeiro ministro português José Sócrates no caso Freeport.

Explico resumidamente aos meus leitores brasileiros, que o caso se refere a algumas irregularidades no licenciamento para o maior shopping center da Europa, construído parcialmente numa área que deveria ter sido preservada no estuário do rio Tejo. Aponta ainda para uma série de favorecimentos relacionados, envolvendo empresários ingleses, políticos e empresários portugueses. Entre as figuras políticas sob suspeita está a do premiê português, na altura do licenciamento do Freeport ministro do Meio Ambiente. As primeiras páginas do escândalo remontam o ano eleitoral de 2005, partiram de uma denúncia anónima e retornaram agora, próximas de um novo ano eleitoral.

O noticiário tem sido exaustivo e ele, Sócrates, cujo nome é envolvido juntamente com familiares, se explica, não convence de todo, tem a credibilidade abalada, mas vai persuadindo a imprensa de que dar eco à partidarização do caso não é saudável. Poderá mesmo fazer com que a suspeita levantada funcione como um tiro no pé, para alguns setores da oposição, claramente da oposição ligada ao empresariado da mídia portuguesa.

As estatísticas publicadas hoje no Jornal de Notícias dão contas de que 43% dos inquiridos numa sondagem sobre o assunto não se sentem esclarecidos pela explicação de Sócrates. Mas entre os simpatizantes do Partido Socialista, a maioria (72%) parece estar ganha para a tese de que o primeiro ministro está a ser vítima de uma cabala. Nos números gerais, aparece já um empate técnico entre os que acreditam e não na exploração partidária do caso, o que revela eficácia de retórica, mas não só. Leiam a notícia do JN no link abaixo do artigo e perguntem-se comigo se Sócrates terá tomado a "pílula" da popularidade de Lula. A volta do escândalo Freeport nem tem 15 dias e o "ah! se ele cai" já começa a arrefecer.

No mesmo momento, em outro link, observo os números fresquinhos de Lula, que sobrevive incólume aos seguidos escândalos sobre casos provados e fabricados, mesmo aos que envolveram e envolvem membros do escalão mais alto do governo. Lula atinge o novo recorde de 84% de popularidade, um fenômeno raro quase ao final de um segundo mandato. E ao que tudo indica, fará a próxima presidente do Brasil. Vejam o link do jornal O Globo também abaixo e perguntem-se comigo se isto se trata apenas de manipulação da mídia e dos números, feita pelo Estado ou governos e pelas classes dominantes.

Mesmo que você não acredite muito nas sondagens, aceite que os números erram mas não inventam. Por que alguns estadistas parecem estar acima de qualquer suspeita? Será possível se manipular por tanto tempo e tão bem a opinião do público eleitor? Ou na "pilula" do Lula, que o Sócrates parece ter começado a tomar, está contido também o excesso cometido pelas oposições quando resolvem lançar mão das denúncias, passsando assim a partilhar o mesmo grau de suspeição?

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