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sábado, 25 de abril de 2009

25, 35, 45 anos, muitos Abril para nós


Fico encantada a cada ano com as reflexões sobre a liberdade que o 25 de Abril suscita em Portugal, para além do seu significado histórico. E porque a liberdade como conceito inclui muitas coisas e exclui muito poucas, é um dom e um direito que ainda andamos a aprender. Trinta e cinco anos depois do episódio histórico conhecido como A Revolução dos Cravos, ainda se busca, num Portugal mais europeu, novos e românticos sentidos para esta palavra mágica e sobre o seu alcance no diversificado mundo da língua portuguesa.

Ainda na noite passada fiquei surpresa ao receber a resposta de um sms que enviei a um amigo, por ele ter me respondido da Guiné, onde se encontra a cumprir um compromisso cultural, adiado para agora, após o recente conflito que culminou na morte do presidente. A liberdade por vezes é uma porta encostada pela qual temos que adentrar, sem sabermos o que iremos encontrar, mesmo que já tenhamos escancarado tantas outras portas. As artes, o desporto e as ciências, mais do que a política, têm a propriedade de nos fazer reconhecer e avançar suavemente sobre os mais ínfimos espaços livres. A liberdade não é um fenómeno uniforme nos espaços onde se fala a mesma língua. Quem nos dera! Em alguns espaços ela existe em pleno e reflete-se sobre o que se fazer com ela, ou se deve ou não ser festejada. Noutros espaços ela é ainda apenas a alma de quem se quer livre para a construir.

A conquista da liberdade nunca foi um fim em si mesma. Disto todos sabemos, mas ainda esbarramos nos nossos limites, por onde passamos. Andamos a estudar sobre as fronteiras entre a nossa liberdade e a dos outros, como se estivessemos a conduzir por uma comprida avenida, com muitas pistas e cruzamentos, mas sem o conhecimento de todos os códigos necessários. Todas as nossas conquistas, inclusive as sociais e políticas devem ser comemoradas e jamais esquecidas. Pois o exercício individual e coletivo da liberdade, e a transformação desta em igualdade e fraternidade, faz parte de um aperfeiçoamento sem o qual ser livre se tornaria uma condição obsoleta. O quanto somos livres dentro do espaço e tempo de liberdade que conquistamos? Isto se mede?

A questão que melhor me serve de medidor sobre a liberdade que se vive em Portugal, porque me toca mais de perto desde que aqui cheguei, é a da imigração. A história, a evolução, as levas, as leis, a discriminação, as necessidades e as lutas dos imigrantes, de tudo acompanhei ativamente um pouco, não tivesse eu trazido do Brasil o hábito da militância política. A meneira como um país lida com os "seus" estrangeiros passou a ser para mim um parâmetro importante de observação sobre o conceito de liberdade. Durante toda a década de 90 e em quase dez anos do terceiro milênio, acompanhei os avanços que Portugal deu na relação com o imigrante, desde o acordo de Schengen. Quanto à aceitação, ao aproveitamento, às trocas culturais e às mudanças na própria paisagem humana, que já se notam nas ruas das cidades portuguesas. Muito há ainda por ser melhorado, mas já não me sinto estrangeira em Portugal como ainda me sentia quando o 25 de Abril fez 25 anos (foto) e andávamos a lutar para que todos tivessem o que eu já tinha: o direito aos documentos tanto quanto o direito ao trabalho. Nessa altura os brasileiros lideravam a população de imigrantes ilegais, mas não queriam militar na causa.

Muito da imagem de Portugal no mundo tem a marca da liberdade com que os estrangeiros circulam pelo país. Para cá se foge das guerras, da pobreza, das catástrofes e das ditaduras. Como também se foge da paz que reina nos países ricos, sem terramotos, banhados pelo sol e governados em democracia. Os portugueses e os residentes também se queixam da crise, como em todo o mundo, e se ressentem do aumento da violência urbana. Os portugueses sobretudo acham que o país podia já estar melhor, passados 35 anos da revolução. Aos meus olhos Portugal é completamente difernte do país que eu encontrei no início nos anos 90. O aumento da violência urbana, ao menos por enquanto, não arranha a imagem de Portugal, como já acontece com o Brasil. Para compararmos Portugal com um país que fala a mesma língua e onde a liberdade existe, mas não pode ser vivida em pleno, por conta da violência que se multiplica nos campos e nas cidades, fazendo reféns a maioria dos cidadãos. Muito tenho escrito aqui sobre a liberdade e a violência no imenso espaço brasileiro, e voltarei a comentá-lo noutros artigo.

Este post, assumidamente comemorativo, me perdoem os pessimistas e derrotistas, eu dedico aos meus companheiros de liberdade e já de muitos 25 de Abril. Em especial ao Manuel Solla e à CNLI - Comissão Nacional para a Legalização dos Imigrantes.

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2 Comentários:

  • Excelente digressão sobre a liberdade,ainda sem contar todos os aspectos onde ela não está presente,mas sem dúvida esclarecendo muito sobre ela!Eu prezo muito a liberdade ,pois passei a maior parte de minha vida sem ela.Desde a infãncia e juventude, pautado pela moral,estética e politica provinciana,depois pela censura e arbitrariedade política da ditadura, que combati no Brasil e no exilio, e mesmo lá, tive minha liberdade cerceada, sequestrado no Uruguay pela "Operação PréCondor" em 69(que consegui me safar, junto com mais outros 2 companheiros),depois no Chile, onde me impus um isolamento sabendo não poder confiar na pretensa liberdade(a indiscrição dos exilados brasileiros e as escutas militares).Voltei ao Brasil, ainda em 71 e tive que continuar em semi-clandestinidade em São Paulo,fui encontrado e preso,depois de solto tive que novamente viver em relativa cladestinidade(por haver mentido, tapeando o Delegado Fleury),primeiro em Curitiba quando por montar uma Escola de Associação de Pais(todos eles ex-presos politicos:"Oficina")e por ter feito uma pixação quando Geisel fechou o Congresso.Procurado, tive que abandonar tudo e me mudar pra Belo Horizonte (em 1977)onde mergulhei na absoluta clandestinidade e inatividade politica.A escolinha de pais "Oficina" foi fechada em 1978, seus diretores presos pelo SNI e as criacinhas (1 a 5 anos)fichadas de "comunistas",como também condenado o método que usavamos:Piaget, Vigostsky e Wallon.Voltei com a Anistia pra minha cidade natal(Araçatuba)e fui lecionar História noEstado, mas perseguido por Diretores/as que seguiam o malufismo, e tinham suas "indicações" (de conveniencia política e social).Posso dizer que atualmente estamos começando a sentir um gosto de liberdade, mas ainda condicionada ao poder econômico,ao poderio da midia impressa,radiofõnica e televisiva que foi beneficiaria do periodo ditatorial e segue sua ideologia de direita,que é excludente.Só quem viveu a falta de liberdade sabe valoriza-la!

    Por Blogger Tirésias, às 27 de abril de 2009 às 05:50  

  • Excelente digressão sobre a liberdade,ainda sem contar todos os aspectos onde ela não está presente,mas sem dúvida esclarecendo muito sobre ela!Eu prezo muito a liberdade ,pois passei a maior parte de minha vida sem ela.Desde a infãncia e juventude, pautado pela moral,estética e politica provinciana,depois pela censura e arbitrariedade política da ditadura, que combati no Brasil e no exilio, e mesmo lá, tive minha liberdade cerceada, sequestrado no Uruguay pela "Operação PréCondor" em 69(que consegui me safar, junto com mais outros 2 companheiros),depois no Chile, onde me impus um isolamento sabendo não poder confiar na pretensa liberdade(a indiscrição dos exilados brasileiros e as escutas militares).Voltei ao Brasil, ainda em 71 e tive que continuar em semi-clandestinidade em São Paulo,fui encontrado e preso,depois de solto tive que novamente viver em relativa cladestinidade(por haver mentido, tapeando o Delegado Fleury),primeiro em Curitiba quando por montar uma Escola de Associação de Pais(todos eles ex-presos politicos:"Oficina")e por ter feito uma pixação quando Geisel fechou o Congresso.Procurado, tive que abandonar tudo e me mudar pra Belo Horizonte (em 1977)onde mergulhei na absoluta clandestinidade e inatividade politica.A escolinha de pais "Oficina" foi fechada em 1978, seus diretores presos pelo SNI e as criacinhas (1 a 5 anos)fichadas de "comunistas",como também condenado o método que usavamos:Piaget, Vigostsky e Wallon.Voltei com a Anistia pra minha cidade natal(Araçatuba)e fui lecionar História noEstado, mas perseguido por Diretores/as que seguiam o malufismo, e tinham suas "indicações" (de conveniencia política e social).Posso dizer que atualmente estamos começando a sentir um gosto de liberdade, mas ainda condicionada ao poder econômico,ao poderio da midia impressa,radiofõnica e televisiva que foi beneficiaria do periodo ditatorial e segue sua ideologia de direita,que é excludente.Só quem viveu a falta de liberdade sabe valoriza-la!

    Por Blogger Tirésias, às 27 de abril de 2009 às 05:50  

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