Violentos são os outros?
"Isto até parece o Brasil". Com esta frase um dos apresentadores do telejornal da noite da SIC iniciou uma reportagem especial sobre o aumento da violência em Portugal, mencionando comentários comuns de se ouvir pelo país, após a última onda de assassinatos em Lisboa e no Porto. Tenho ouvido a mesma coisa muitas vezes e principalmente entre imigrantes brasileiros. Quando refino a pesquisa e pergunto a que atribuem esta sequência dos factos, a maioria responde com alguma explicação relacionada com a presença de imigrantes de outra origem. É verdade que se pode contar nos dedos os casos envolvendo brasileiros que vão parar à mídia em Portugal, embora haja cada vez mais brasileiros cá, e de todas as regiões. Mas quase todos os brasileiros de quem ouvi o tal comentário saíram do Brasil bem antes a descoberta do filão do crime pelos canais abertos de televisão e não acompanham os acontecimentos pela internet.
A grande imprensa brasileira resolveu manchar as suas páginas de sangue, perdeu o preconceito contra o crime e trouxe à tona a indignação geral dos brasileiros e dos turistas estrangeiros com os assaltos e assassinatos, escandalizando o Brasil e o mundo com um tema que, quando estávamos na universidade não merecia a atenção do público de bem, e era apenas um alimento da imprensa sanguinária. Foi descoberto enfim que o crime não é normal e nem é ficção. E tivemos que admitir que a imprensa do crime também ajudou a contar a história social do Brasil nas entrelinhas da dita imprensa séria. Os crimes virararam espectátulo com direito a transmissão ao vivo, mas também viraram escândalo e indignação, como tudo o que se mostra sem restrição. E iniciou-se, sem que se abrisse formalmente uma sessão, um debate nacional sobre a violência. Curiosamente em Portugal a grande imprensa também passou a pautá-la ostensivamente após uma série de assaltos e execuções, e a explorar todas as modalidades de crimes antes abrigados pelo preconceito jornalístico e outros tipos de manifestação da violência urbana, social e doméstica.
A violência em Portugal não aumentou, está aumentando como foi acontecendo no Brasil, onde por muitos anos não havia políticas para a conter, e o crime era apenas assunto dos jornais de segunda categoria. Em Portugal os jornais sanguinários também foram contando nas entrelinhas a história da violência, exactamente como no Brasil, portanto considero muito bem vindo o exagero na atenção actual da imprensa portuguesa de grande audiência ,quando explora os crimes caso a caso, com exaustão de telenovela, pois enquanto no Brasil temos a sensação de que já não há políticas nem polícias que resolvam a situação, em Portugal parece que ainda se trata de um fenômeno possível de ser enquadrado.
Meu saudoso pai, que era um muito cauteloso descendente de portugueses e repetia provérbios que só em Portugal voltei a ouvir, dizia sempre que "quem tem os olhos fundos põe-se a chorar cedo". Pois. Violência dá audiência e crime faz vender jornais mas quanto menos escondida a realidade for, melhor é para todos. Não acredito na idéia de que o crime show vulgariza o assunto e faz-nos acortumar com o medo. Ninguém passa a sonhar com o dia em que será roubado e assassinado após assistir programas como o Linha Directa ou assistir ao Tropa de Elite - pesquisem na internet e assistam. Certas polêmicas sobre o sensacionalismo na imprensa e a apologia à violência contida nos filmes tornaram-se enfadonhas. Também por tanto show e filme que o crime já reproduziu no Brasil é que tenho escutado menos pessoas no Rio, em São Paulo ou noutra cidade dizerem, indignadas, que aquilo parece mais a Bolívia, a Colômbia, a Venezuela ou a faixa de Gaza. Se não vemos a violência com a verdadeira cara que tem, isto é, a nossa, continuaremos a pensar sempre que violentos são os outros. Bem vindo o exagero da imprensa portuguesa e o debate sobre a violência instalado no país, com a participação activa da audiência como testemunha e denunciante indignada.
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