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domingo, 7 de outubro de 2007

A Coisa, a Fotografia e a Imagem da Coisa - I

A imagem de uma pessoa, de um grupo ou de uma coisa não se constrói de um dia para o outro, comece a ser trabalhada do zero ou continuada sobre um projecto já começado. Um verbo bem apropriado é mesmo o construir, utilizando aquilo que se pode reunir de melhor sobre o que ou sobre quem se vai trabalhar. É bastante frequente alguém comparar uma imagem de marca, com tudo o que este conceito inclui, a um edifício de concreto, armado sobre uma estrutura sólida e segura, ou reforçada, de modo a ser capaz de sustentar paredes rijas que aguentem ao mau tempo e aos ventos, que resistam ao esforço periódico de manutenção. Com uma fachada que chama a atenção pelo seu objectivo, pelas suas peculiaridades, mas também pela harmonia com o conjunto. Dizendo fachada não como um disfarce, uma parede falsa, mas como um realce do conteúdo. Crescer dói e mudar inclui sofrer choques e abalos.

Conteúdo que se esconde não rende imagens. Modéstia, sobriedade e discrição são qualidades elegantes, mas há que serem dosadas nesse trabalho, para não serem confundidas com hipocrisia. Palavras que dão nome e que rotulam. Muita coisa vale mais para ilustrar esta analogia com o verbo construir, como a preocupação com a economia em material – por exemplo com a qualidade da canalização e sistema eléctrico de um edifício. Com a imagem das pessoas também é assim, a economia em material pode prejudicar a construção, manutenção e durabilidade. Uma imagem construída com pouca informação, ou com dados mal escolhidos, não favorece a que vá sendo, aos poucos, mantida, restaurada e até reestruturada nos seus alicerces. Vamos chamar de agora em diante de "coisa" – e sem aspas – as pessoas, empresas, instituições, objectos e o conjunto da clientela desta ideia. Apenas para simplificar raciocínios. Há a coisa, a imagem sobre a coisa (a fotografia) e a imagem da coisa. Esta última interage com as outras duas estruturas, intertransformando-as. Sempre que preciso falar com alguém sobre esse assunto, cito como exemplo a história da imagem construída do falecido político brasileiro de direita António Carlos Magalhães, baptizado espontaneamente pelos media brasileiros de Toninho Malvadeza. Sem se preocupar prioritariamente em esconder o seu passado, até porque isto não seria mesmo possível, foi mudando a sua imagem, realçando pontos flexíveis do seu carácter, se expondo gradualmente à transformação e colocando os feitos à frente do homem. Morreu como liberal, reconhecido por elementos de expressão da esquerda que anteriormente o criticaram, e por todo o povo da Bahia, sua região e celeiro político. O que pode nos levar até a pensar que, se alguns políticos – que nem o marketing político os salvaria – imitassem o ACM nos seus últimos anos de vida, o Brasil seria outro em pouco tempo. O marketing é uma ferramenta para ajudar na construção de uma imagem, mas o material vem da própria coisa e da história da coisa, fotografada e exposta, em transformação. Por isso até agora nenhum marketeiro vislumbrou candidatar-se à reabilitar a imagem do Pinochet e do Bin Laden. Ou já? Para além de terem uma fotografia repetitiva, nunca estiveram interessados em mudar a imagem que têm. Tudo o que sai na foto se revela e tende a mudar, penso eu, ao contrário do que reza a convenção, de que a coisa se mexe e a fotografia é estática. Em marketing isto não é bem assim.

Uma fotografia bem focada (nos jornais ou na TV, por exemplo) de uma coisa má ou uma coisa feia (real), pode levar à construção uma boa imagem da coisa. Como? Se aos olhos dos outros parecemos belos, belos nos tornamos. Essa transformação gradual vai obrigando a coisa a ser mais parecida com o que parece, se o que parece é bem melhor. Vai mudando a coisa a um ponto de ela necessitar parecer, aparentar, mostrar que está mudando, dinamicamente para melhor, para não ficar para trás. Ao contrário do que afirma o senso comum, trazer à tona as coisas más não as valoriza nas más influências que podem conter, mas pode significar influenciá-las e transformá-las. Os maus pontos da imagem, bem escolhidos e revelados fazem com que os bons pontos sejam editados em alto contraste, o que é positivo para a imagem. As pessoas mudam, as coisas mudam, mas as fotografias e os filmes ficam, comprometem, exigem coerência, melhoria, reforçam a construção da imagem dinâmica, no seu sentido mais amplo e contínuo. Uma imagem que não revela uma coisa apta a ser sempre melhorada é como um edifício belo e abandonado. E uma imagem bem construída, assim como um edifício, para se manter bela tem que ser assistida constantemente, e não parecer uma coisa pronta e acabada.

É esta a lógica que faz com que um assessor de Comunicação e Imagem não discrimine um cliente com uma história particularmente incorrecta e difícil de ser contada. Na perspectiva de que o cliente sempre poderá melhorar um pouco se o assessor for competente e tiver sensibilidade e inspiração. Assim como um advogado de defesa ou um médico (muitas vezes com urgência), como acontece em tantas outras profissões de cariz humano, o assessor de Comunicação e Imagem também é um “salva-vidas”. A partir do momento em que você resolver construir ou reforçar a sua imagem, deve estar consciente de que entrou em um processo de transformação interior, de melhoramento como coisa, e que isto virá à tona. Para isso deve lançar mão do que há de melhor em si para oferecer e informar. Sem esquecer do que aparentemente teria de ser esquecido na sua história, quando no espelho se olha. Muitas vezes, os pontos negativos de uma história, quando assumidos positivamente podem revelar uma experiência a não ser repetida por quem a viveu ou por outros a quem a revelação pode ajudar.

Por que é que ultimamente está na moda entre pessoas famosas ou não, irem à televisão e aos jornais e assumirem publicamente os seus defeitos crónicos de carácter, suas doenças-tabu e seus vícios? Simplesmente porque a negatividade dá audiência e porque a plateia é selvagem? Não! É porque a verdade torna a coisa, na fotografia, mais humana ou mais autêntica (seja ela gente ou mesmo coisa). Até o imaculado e claustro cantor Roberto Carlos, em subtil transformação desde a jovem-guarda rebelde, assume que sofre de transtorno bi-polar. Isto seria impensável há uns anos atrás. Mas assumido agora, isto também é bom para a imagem dele, sólida mas em constante evolução. Porque construir ou manter um edifício, ou retocar uma imagem, não é apenas fazer uma pintura nova, ou uma cirurgia plástica ou, para os mais radicais, derrubar paredes e fazê-las de novo, começar “nova vida” como dizem os amadores. É valorizar velhas e sólidas experiências – inclusive as de mudança – e reeditá-las, somando-as às novas. Informações verdadeiras, bem escolhidas, compiladas e divulgadas, que reforçam a imagem construída, tornando-a mais bonita, durável e resistente às adversidades. Quem contrata um especialista em imagem certamente não quer mudar apenas a imagem, e mesmo que só queira isso, não é só isso o que acontecerá.

Ana Lúcia Araújo
marqueteira em construção.

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